Recentemente li o livro Memória Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. É uma história divertida e extremamente fiel ao título do livro. São memórias do Brás Cubas, que conta sua vida inteira, e póstumas, pois ele morreu. Não só morreu, mas ele próprio escreveu o livro já depois de morto, saba-se lá como… Não sou nenhum especialista em literatura, mas pesquisei e descobri que este livro é um divisor de águas na literatura brasileira. Enquanto a escola literária do romantismo idealizava o amor, a natureza e o heroísmo, no livro do Brás Cubas, Machado de Assis traz uma visão desiludida e pessimista da socidade, chamada de realismo. Este é um dos livros mais proeminentes do início dessa fase.
Uma frase exemplifica isso:
Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
E temos também essa célebre frase:
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.
Comecei a ler uma versão impressa e com texto atualizado para ortografia atual, mas depois mudei para uma versão do Kindle cujo texto é mais antigo. Até mais ou menos metade do livro, me doía toda vez que lia as palavras “cousa“, “dous” e “doudo“, respectivamente “coisa“, “dois” e “doido” em nosso português contemporâneo. Obviamente, não há nenhum erro aqui. Com certeza são palavras comuns à época quando o livro foi escrito e permitem que a leitura ofereça não somente a história que o autor quer contar, mas também meios para que percebamos a evolução linguagem escrito ao longo das décadas. Quais processos levaram a palavra doudo a se tornar doido? Sério que no passado se escrevia dous? Sinistro! Cousa eu já devo ter ouvido em alguma novela de época da TV Globo…
Entre vários episódios da vida narrada de Brás Cubas, boa parte do livro é um vai e não vai dele com uma tal de Virgília. O desfecho da relação faz jus ao tom do livro. Como disse, Brás Cubas conta toda sua vida, episodios da infância, adolescência, vida adulta até a hora de sua morte. O que não é nenhum spoiler, pois desde as primeira palavras o livro deixa claro que o próprio defundo é quem está contando tudo aquilo. O livro foi lançado em meados de 1800 e é possível notar a diferença de tom dos livros que comumente leio e que são mais conterporâneos a mim. Penso que, se alguém quer ler um livro bem antigo, este seja um excelente ponto de partida.
Algo que também me chamou bastante atenção são as menções aos escravos. Machado de Assis nasceu em 1839, e até 1888, quando foi assinada a Lei Área, a escravidão era oficialmente permtida o Brasil e existia como qualquer outro comércio. Das várias menções ao cotidiano evolvendo trabalho escravo, o livro conta rapidamente sobre pessoa que era escrava, mas foi liberta e depois conseguiu juntar algum dinheiro a ponto de comprar um escravo para si. Isso me parece ressoar até os dias de hoje. Embora a escravidão tenha sido abolida a tanto tempo, históricamente, está bem ali, perto, no passado. Lembro que eu convivi com minha bisavó até mais ou menos meus 8 anos. Apesar da pouca idade, tenho lembranças claras de 2 ou 3 vezes que fui passar alguns dias na casa dela, noutra cidade. Fico imaginando que, talvéz, a mãe dela, com certeza, a avó dela, viveram em uma época onde pessoas podiam escravizar outras pessoas. E pessando dessa forma, não parece algo tão distante de mim, não parece um passado remoto. E cenários como este, de maneira muito corriqueira, são citados no livro como acontecimentos rotineiros e absolutamente comuns para a época.
O texto também comenta em alguns passagens sobre um personagem chamado Quincas Borba. Eu sei que há um livro do Machado de Assis também chamado Quincas Borba. Teria Machado de Assis criado o conceito de spin-off na cultura pop? Sim ou não, o livro do Quincas entra na minha lista de leituras para o futuro.
Abraços e até a próxima!